Difícil, porém o tipo de coisa que eu gosto: pensar qual é o melhor modelo pra contar uma história
Livro de Partida convida autores de primeira obra lançada a falar sobre ela, sobre sua produção, edição, publicação
Pra falar do Lado B (ou uma história de amor para walkman) vou ter de contar uma história. E essa história, de modo muito decepcionante pro leitor, não envolve curva dramática, nem anticlímax, nem esperas infinitas. Acho que, bem na real, eu tive sorte pra publicar o meu livrinho.
Em 2013, o Ricardo Giassetti, da Mojo Books, me escreveu e perguntou se eu topava publicar o livro que tinha escrito anos antes, porque eles iam recomeçar a linha da Mojo. Eu mudei umas coisinhas no texto e o livro aconteceu. Simples assim.
Eu já tinha sido editado pelo próprio Giassetti e pelo sócio dele, Danilo Corci, em 2008 (o livro teve uma versão online em 2009), pela mesma editora, mas que tinha uma outra pegada.
A Mojo surgiu lá pela metade dos anos 2000 com a ideia de que discos seriam transformados em textos literários. Um amigo meu, Túlio Bragança, foi convidado a escrever um e eu, cara de pau, pedi que ele sugerisse meu nome. Então, o Danilo leu meu blog e me convidou. De todos os discos que eu queria “textar”, só estava disponível o A Divina Comédia (ou ando meio desligado), dos Mutantes. Abracei a causa.
Levei muito mais tempo do que deveria na construção do texto (acho que o processo todo se arrastou por uns 10 meses até eu fechar a forma e criar coragem para escrever de fato o livro).
Claro, rolava aquele medinho que é a lenha da procrastinação, mas pra mim, o mais difícil foi encontrar uma estrutura narrativa que refletisse o que eu entendo desse disco. Difícil, porém bom, porque é o tipo de coisa que eu gosto: pensar qual é o melhor modelo narrativo pra contar uma história.
Cheguei à forma narrativa do Lado B quando eu li uma entrevista em que o Sérgio Dias dos Mutantes disse que quando ouvia uma música e gostava de, por exemplo, um efeito de guitarra, na primeira composição que ele conseguisse, incluiria aquele efeito (no caso, ele falava especificamente da guitarra de “Baby“). Tentei fazer o mesmo: parodiar trechos e estilos de livros que eu gosto e isso virou um remix de vozes narrativas. Enquanto eu escrevia, senti falta de uma oposição e aí incluí um processo fictício de um “eu-lírico ficcional” com um “leitor-teste imaginário” cruel (baseado em angústias reais), que seria um zoeira com a seriedade da composição literária – zoeira que tem tudo a ver com Os Mutantes.
Então, depois de chegar a solução formal de textos curtos paródicos que se ligam de um jeito muito pessoal com as canções do disco, eu senti o livro pronto e em um mês tudo estava pronto MESMO. Daí pra frente foi só cozinhar as referências e terminar de escrever o Lado B enquanto trabalhava e aprontava uma dissertação de mestrado. A revisão, releitura e ajustes finos levaram mais umas três semanas.
O Danilo e o Giasetti gostaram, e eu acabei caindo numa coleção chamada Mojo +. O livro ficou disponível pra download gratuito por um tempão.
Os únicos leitores que tive antes de o livro sair foram a minha namorada, Vanessa C. Rodrigues e os editores. Todos eles me deram conselhos valiosos que acabaram no texto. E quando eu achava que esse era um caso resolvido e arquivado, o livro foi revivido.
Reli o livro tudo algumas vezes e fiz pequenas alterações, mas foi bacana perceber que aquilo ainda fazia sentido pra mim, eu gostava de ler e até achava engraçado algumas piadas, ou seja, aquele maquinariozinho narrativo antigo ainda funcionava a (meu) contento.
Mais: essa releitura foi como uma mensagem enviada anos atrás por mim mesmo e ela me dizia “olha só o que você gosta de fazer, cara”.
Tudo isso MAGICAMENTE rolou num momento de dúvida sobre a escrita, quando não encontrava um jeito de contar aquilo que eu queria e eu não conseguia encaixar as ideias nos formatos que eu experimentava.
Quando reli o Lado B — satori!, eu entendi.
Eu estava tentando escrever de um jeito que não tinha a ver com o que gosto, com o que penso sobre linguagem. E isso travava os personagens, o ritmo, as tramas e principalmente, o trabalho com a linguagem que é aquilo que mais me interessa na literatura. Isso religou meu lado escritor que é fã de Oswald de Andrade, Osman Lins, Campos de Carvalho, Flann O’Brien, Ricardo Ramos, James Joyce, Luci Collin, Veronica Stigger, André Sant’Anna, Evandro Affonso Ferreira, Manoel Carlos Karam, Valêncio Xavier (pra ficar nas influências literárias).
Tinha passado os últimos anos escrevendo roteiros de cinema e de quadrinhos e pouca/nenhuma literatura. O lançamento do Lado B em edição comercial me despertou de um tipo de hibernação criativa.
Por isso, passado um ano da publicação do livro, eu fiz um conto que expande a história do Lado B para distribuir durante uma sessão de autógrafos em Curitiba (e já tá disponível online e de graça, mas recomendo a leitura do livro antes). Publiquei também um conto na revista eletrônica Flaubert # 6 – chama-se “Brainstorm“. Fora isso, tenho alguns textos (nada a ver com o Lado B) que tento reunir em um novo livro, desta vez maior e desta vez de contos. Além da literatura, sigo escrevendo roteiros de HQ e cinema.
Portanto, sigo nesse caminho de uma baderna formal e com influências extraliterárias, como música, cinema, TV, quadrinhos, artes visuais, teatro e o que mais eu conseguir processar.
Acredito que pra esse próximo livro eu vá aí sim passar por todo perrengue clássico dos escritores: busca de editora, “não” de editora, nenhuma resposta de editora, concursos literários, juntar dinheiro pra publicar independente… Mas antes disso eu preciso fazer um livro batuta, que mereça ser publicado. Só tenho pensado nisso agora: fazer um livro decente que eu possa ler daqui alguns anos e, quem sabe, me dar uma pista do que devo fazer dali em diante.