Livro de partida | Carol Rodrigues, “Sem Vista Para o Mar”

por Carol Rodrigues

Como foi publicar o meu primeiro livro eu conto jajá, que é o propósito mesmo da seção, só vou adiantar que escrevo agora o segundo e que, se fosse o primeiro, novamente, seria mais fácil, que a gente sempre pensa em gráfico reto ascendente, humanos trouxas. E o segundo tem uma aurazinha de semi-job ainda, que tem grana do Proac envolvida, o que é bom, pro bolso furado e pro ego frágil, mas tem a obviedade da finalização e acho ainda mais bonito trabalhar numa obra que pode nunca acontecer, que o primeiro livro tem algo assim, de pedir um pão na chapa e ele vir com muito requeijão, um cafezinho pingado, que é gostoso e que se basta.

Um ano atrás eu tava nessa, escrevendo sem rumo, aliás traçando rumos imaginários, em ficções pelas cidades tão sonoras do oeste paulista, pra onde nunca fui, nenhumazinha delas, mas apaixonei nos nomes, São João do Pau d’Alho, Pauliceia, Olaria, Auriflama, tão bacana como vai a língua em Auriflama. Começou numa viagem, o terminal Barra Funda, as placas dos guichês viraram glossários apontados num mapa rodoviário do Estado de São Paulo, e um projeto de livro crescia, lentinho, bem lentinho, pra sair da casca num futuro glorioso não muito distante e talvez, também, não muito real.

Aí.

Depois de um ano de oficina com o Marcelinothe one and only, que aliás foi quem me fez levar o que eu escrevo a sério, ele, esse energizado, resolveu fazer um concurso entre os ex-alunos. O vencedor seria publicado pela Edith, que é um coletivo de escritores e editores que publicam lindamente o que decidem que vale publicar. Teve júri, teve apresentação, teve suadeira e mão tremida, e eu ganhei, e poucos meses pra entregar. Aí saiu um livro curto, o Sem Vista Para o Mar. Uma amiga muito artista fez a capa, outra amiga muito artista fez a foto, o namorado muito bom de texto a revisão, o grupo de escrita codinome Djalma leu e canetou atento, a Ivana Arruda Leite, que fez parte do júri, fez a orelha, e o pessoal muito firmeza da Edith diagramou bonito e coordenou a impressão. E essa foi uma lição daquelas óbvias: pra ser artista, no preço que tá essa cidade, e por outras questões menos capitalistas, amigos artistas por perto fazem parte do que é fundamental.

O lançamento foi na Balada Literária, teve mesa de entrevistas com outros escritores muito descontraídos e eu, ali, o tipo de pessoa que vai esquecendo, em tempo real, o que está falando, semi-sorriso em proteção de tela, o cabelo eletrizando na vertical. Mas vendeu bem e sigo vendendo, agora, por facebook email, esquema banco correio, e outro aprendizado vem daí: achava que a literatura não dava, literalmente, um centavo, mas vendendo fora da livraria, ironia bonitinha, paga uma cerveja, até um frango a passarinho.

Outro aprendizado: as pessoas que compram, o livro, estão lendo, o livro, uma obviedade tão bacana, lendo e comentando, algumas sorrindo mais que as outras pra me dizer, mas poxa, tão bacana, e mais bacana é quando diz que leu numa sentada, quer ser meu amigo, diga-me isso, nada mais legal de ouvir no mundo inteiro.

Mas.

Sei lá aonde vai dar, esse investimento de tempo, a briga com o presente real na supressão do futuro glorioso que não existe, porque futuro nenhum existe, a briga com a própria preguiça pra conseguir escrever e trabalhar, como produtora, umas oito nove horas por dia, é melhor escrever antes ou depois do trabalho, isso eu ainda não sei, aos domingos é muito bom, mas aí é bom namorar também, e o cinema, e aí?

Aí.

Outro aprendizado: se pensar mais nisso que nas histórias é sinal, eu acho, de que tá dando um pouco errado. Por isso, necessariamente, nos tempinhos meus eu volto o foco pros velhinhos contrabandistas do Bairro Peixoto, pro professor de primário que se apaixona pela mãe ucraniana de um aluno, pras meninas de colégio que se ensinam sacanagens e demais maus modos e vírgulas, no próximo livro que, eu espero, tenha as melhores mentiras que eu puder contar, com o pouquinho de verdade que eu deixar escapar, com a mini certeza, assim, meio cafona, de que a alma de onde vêm as histórias tá nem no peito e nem nos dedos, e nem em nada muito dentro da gente, banais que somos, vem do fora, da rainha musa deusa mãe do trovão e dos mares e esqueletos que falam, a Senhora Ficção. A devoção é com ela. O trabalho é para ela. Que se não for, é balela, acho eu, feito um pão sem requeijão.

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