Livro de Partida | Natália Ramalho, “Série das coisas não ditas”

Entendi e aceitei que meu estilo é acolhedor e também objetivo, tão sensível quanto racional – e que uma coisa não anula a outra

por Natália Ramalho

Capa do livro

Talvez não seja uma grande curiosidade se eu disser que Série das coisas não ditas já teve outro nome, outras versões e outros poemas, afinal, a experimentação é um caminho comum de todo projeto entre ideia e materialização. Mas e se eu contar que levei 10 anos até a publicação, e que parte considerável do livro foi escrita na minha adolescência?

Partindo da minha relação com a escrita, comecei a escrever pra valer aos 14 anos. O ano era 2011, eu estava entre questões de pertencimento e identidade comuns pra essa fase da vida e junto delas, havia o luto. A verdade é que, quando perdemos uma figura de referência, parte de nós se perde também e precisamos fazer um resgate. Eu não tinha consciência naquele momento do que estou falando agora com propriedade, mas a escrita foi esse resgate pra mim: foi a forma que encontrei de estar ali pra mim mesma. Desde então, escrever tem me ajudado a digerir muitas questões. No início, funcionava como um desabafo, um diário, um fluxo de pensamentos; com o tempo, fui ordenando melhor as ideias e refinando minhas observações até me dar conta que, além dos meus processos, o que eu tinha a dizer podia fazer diferença na vida de mais alguéns.

Ao me voltar pra escrita criativa, logo percebi que prosa não era muito a minha praia, porque a tendência era me prolongar e dar muito foco aos detalhes, mas como boa procrastinadora que sou, abandonava os textos. E eu tinha urgência, como todo adolescente que quer provar seu ponto, e ser, e dizer, e fazer, e mais um monte de “ês”. Assim, encontrei meu ritmo com os poemas. Escrevia à mão quando comecei e fazia essa questão (tinha muitas anotações espalhadas e conforme os papéis se multiplicavam, entendi que precisava me organizar melhor, então migrei pro computador). As edições ficaram mais práticas e pude ter uma visão geral do que produzia. Em 2013, minhas amigas da época foram as primeiras pessoas a ler o que eu escrevia, e pra mim era uma realização compartilhar com elas, independente da qualidade ainda estar meio duvidosa.

Eu tinha então esse conjunto de poemas ligados entre si por um convite em comum: o enfrentamento. Foi olhando pra dentro e pra fora com essa curiosidade investigativa que tive a ideia de colocá-los num livro.

A primeira versão nasceu em 2014: se chamava Óculos à janela – pessoas, passos e paisagens, e nela reuni 70 poemas. Apesar do nome meio sem graça e das tantas poesias, essa versão foi essencial pra que eu fosse me aprimorando. Inclusive, alguns dos poemas que estão no livro publicado vieram daqui: “Cosmos”, “Dois mil e treze”, “Ilegitimidade”, “Ultravioleta”, “Moinhos”, entre outros.

Em 2016, o livro ganhou sua segunda versão. Aqui, ele já se chamava Série das coisas não ditas, e foi dividido em três capítulos: “Fogo de palha”, “Fractais do caleidoscópio” e “Água e óleo”. Além de mudar alguns versos e títulos, cortei certos poemas e adicionei novos; ficou com 74 ao todo. Lendo essa versão, você já encontraria “Acordo das siamesas”, “O caso da borboleta”, “Sinceridade breve” e “Há flores que só brotam com fogo”, por exemplo.

Pra mim, o desafio com um livro de poesia é que pode ser infinito se não colocarmos um limite, ainda mais quando o processo se estende por tanto tempo. Porque quanto mais experiências, mais repertório pra escrever sobre, e, como os poemas são individuais, estando dentro do tema (que no meu caso é abrangente), a vontade é de ir inserindo tudo que é novo no livro, além de tirar o que naturalmente deixa de fazer sentido.

Ao longo dos anos, tive momentos de mais proximidade com a escrita e outros em que ela precisou ficar em segundo plano. Passei por estudos e trabalhos que não tinham nada a ver com o universo literário, mas também participei de saraus e tive um Instagram voltado pros poemas. Escrevia bastante durante a noite, e o bloco de notas do celular virou meu aliado pras sacadas de momentos aleatórios – a ideia que eu tinha no ônibus, ou prestes a pegar no sono, ou no meio da rotina de um dia comum. Eu ia amarrando retalhos pra compor os poemas.

Acho importante comentar que no meu processo, fazer poemas era uma coisa, estruturá-los como livro, outra. Dito isso, foi só em 2022, num agosto de férias do trabalho, que dediquei um tempo pra editar o livro. Eliminei os capítulos pra que a leitura ficasse mais fluida e reduzi a quantidade de poemas quase pela metade. Essa foi a versão final, e oito meses mais tarde, a editora Mondru apostou na publicação. Seguimos pro processo de produção editorial e pré-venda, e a partir de janeiro de 2024, Série das coisas não ditas chega aos leitores.

Dez anos não são dez dias (eu e o livro contemplamos muitas vistas da minha laje). Então, eis a pergunta que não quer calar: por que demorou tanto pro livro ficar pronto? Porque, além do processo de escrita não ser linear, como já comentei, todo autor iniciante vive a saga do mercado editorial. São duas coisas bem desafiadoras, a sensação de estar falando sozinha e perder o sentido da escrita, e a quantidade de envios de original até encontrar uma editora que aposte no seu trabalho. Sendo assim, vou contar o que funcionou pra mim.

Com relação ao primeiro obstáculo, acreditar na qualidade da minha escrita foi essencial. A gente às vezes acha que não tem nada de especial a acrescentar, mas todo mundo tem algo importante a dizer. Entendi e aceitei que meu estilo é acolhedor e também objetivo, tão sensível quanto racional – e que uma coisa não anula a outra. Confesso que sou uma leitora razoável e não tenho tantas referências literárias, mas arrisco dizer que aí esteja meu tempero: sou apenas gente compartilhando com outras pessoas meus achados sobre coisas comuns. O que caracteriza minha escrita não é o embasamento técnico, mas minhas vivências e percepções do mundo. Me identifico mais com a poesia porque gosto da praticidade que ela traz, ao mesmo tempo que mantém as camadas de informação. Acho que ela torna a abordagem de diversos assuntos acessível, inclusive os mais complexos. Isso é bem legal, porque não só o leitor como também quem não tem costume de ler pode ser impactado quando exploramos temas difíceis de um jeito simples, e não o contrário.

Já sobre o mercado editorial, perdi as contas de quantas vezes enviei meu livro pras mais diversas editoras desde 2014. Algumas só recebiam originais em épocas específicas, ou exigiam exclusividade no envio por x meses, ou deixavam claro o prazo extenso pra retorno, que só aconteceria se quisessem publicar de fato, se não, restava o vácuo eterno. O processo exigiu paciência e persistência, mas outra coisa também fez diferença pra mim: estudar. Busquei entender os tipos de editora e tipos de publicação possíveis, quais são as etapas da produção editorial em si e que perfis de editora tinham um catálogo que conversava com meu estilo, e por isso poderiam se interessar pelo meu projeto. A partir da finalização do livro em 2022, me dediquei a essas pesquisas e até fiz alguns cursos, e foi justamente o que me trouxe clareza, resultando na parceria com a Mondru em abril de 2023.

Essa é minha história com a Série das coisas não ditas. Agradeço demais seu interesse em nos conhecer melhor. Se já estiver com o livro, fique à vontade pra compartilhar suas impressões! Muito obrigada pelo apoio. Caso ainda não tenha lido, sinta-se convidado/a: eu tenho certeza que as descobertas e revisitas que a obra propõe vão ressoar contigo de alguma forma. Bora?

 

Natália Ramalho é escritora, também designer de interiores por formação e cantora por hobby. Já foi analista de comércio exterior e estudante de produção editorial. Acesse o seu InstagramSérie das coisas não ditas está em pré-venda até 24 de dezembro.

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