Livro de Partida | Lucas Paolo, “confissões de um texto solipsista ou persona ad hoc”

A narrativa, contar uma estória, já não me serve; a possibilidade de escrever para inventar um leitor que ainda não sou…

Livro de Partida convida autores de primeira obra lançada a falar sobre ela, sobre sua produção, edição, publicação

Imagens do livro

Como continuar a escrever criando um leitor que ainda não sou para um livro que já está escrito? Um livro escrito em seis anos, paulatinamente, texto por texto e outro texto, como quem reuniu estilhaços e fios desencapados se vendo reunindo-os? Isso não seria confessar um último (ou primeiro) fracasso de uma persona ad hoc que se pressupôs ao texto? Suplementada por uma crença quase antiquada na entrega absoluta do leitor à obra? Quem eu o leitor? Forçar um terceiro eu a ler-me outro, fazer falar um terceiro na voz de minha primeira pessoa? Quantas vidas há em uma vida? — pergunta-me um outro? Apostar todos os possíveis em uma experiência de transformação? Um modo de utilizar outras vozes — Um estilo de escrita que força a voz de um outro? Minha autenticidade, paradoxal, hoje devo ao meu leitor. Então, este, é, literalmente, um convite: venha inscrever meu eu escrevendo-me ser um outro, leitor.

Mas, antes da publicação, estava isto: alguém que não aceitava meramente fazer música, filosofia ou literatura. E então exorcismos de estilo podiam ir borbotando, bastante precários, até que surgiu a possibilidade de seguir uma linha vermelha, o primeiro conto, mas também o último. O primeiro texto satis-fatório: defenestrar o duplo: “Aquela confusão louca da Linha Vermelha”, primeiro texto do livro, primeiro texto do pós-livro: alguém fez um outro fazer-me esfaquear o diabo. Aí um segundo: “Transifiguração”, primeiro prêmio literário em um concurso da Unesp, e os tão importantes incentivos pro devir escritor, quando deixava o curso de Música, não aceitava o de Letras e acabava na Filosofia. Aí um terceiro ou quarto (não me lembro): “A invenção de Gödel”, três frases e quatro anos escrevendo e imbricando notas de rodapé.

Começava a despontar a ideia de um livro: confissões de um texto solipsista ou persona ad hoc — título surrupiado de um péssimo texto teatral que seria praticado em uma performance que não ocorreu. Então, surgia a necessidade de um prólogo, de prolegômenos, de um livro que ia sendo escrito enquanto se escrevia esse “Prólogo-em-menos”. Texto por texto iam surgindo essas, dezoito, máquinas-de-criação-de-leituras, máquinas-de-criação-de-sentido: uma prosa poética pós-wagneriana, um texto de autocuração brahmsiano, uma corrida entre lebre metafísica e a tartaruga mística, uma história da música que sobrepõe as séries música-erudita-do-início-do-século-XX e choro-jazz, a invenção do oitavo pecado, uma paródia de Macedonio Fernández e Guimarães Rosa, …

Um homem é, antes de tudo, irreversível. Cada texto: um conjunto de procedimentos que estruturariam a máquina e um problema que me faria vislumbrar as possibilidades de seu funcionamento. Uma máxima: a narrativa, contar uma estória, já não me serve; a materialidade, paradoxal, da linguagem: a possibilidade de escrever para inventar um leitor que ainda não sou…

Mas, não se abandona a unidade por procuração, e a totalidade de relações vai sendo pensada. Não nos aprisiona? Não, desde que a ela vá se opondo uma injúria de resistência de abrir-se para ser um outro. O último texto: “Variações sobre um motivo de Jorge Lescano”, fazer corresponder a cada texto meu um de Lescano, fazer minha voz dele ser nossa, fazer sair uma eterna homenagem: escrevo, pois teus textos me fizeram ser um leitor que ainda não sou.

Como continuar a escrever criando um leitor que ainda não sou para um livro que já está escrito? Um livro escrito em seis anos, re-revisado, texto por texto e outro texto, como quem reuniu estilhaços e fios desencapados se vendo reunindo-os? Isso não seria confessar um derradeiro primeiro fracasso de uma persona ad hoc que se pressupôs ao texto? Suplementada por uma crença na entrega absoluta do leitor à obra? Quem eu o leitor? Forçar um terceiro eu a ler-me outro, fazer falar um terceiro na voz de minha primeira pessoa? Quantas vidas há em uma vida? Apostar todos os possíveis em uma experiência de transiformação? Um modo de utilizar outras vozes — Um estilo de escrita que força a voz de um outro? Minha autenticidade, paradoxal, devo ao leitor. Este, é, literalmente, um convite: venha inscrever meu eu escrevendo-me ser um outro, leitor.

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