Livro de Partida | Elisa Band, “Perecíveis”

Encarar as histórias e entender que, no final, é o que eu sinto ser justo que eu tenho que colocar no mundo-livro

Livro de Partida convida autores de primeira obra lançada a falar sobre ela, sobre sua produção, edição, publicação

Imaginar — e escrever — as histórias é uma coisa. Outra foi imaginar um livro. Teve a ver com o desejo de trocar com os outros, e colocar um outro sentido, ou um mundo próprio, em uma realidade compartilhada.

Aprendi que tem uma coragem de escolher o que entra e o que não entra no livro. E para isso duas coisas importantes aconteceram: a ajuda valiosa das pessoas queridas que leram e comentaram antes. Eles foram tão essenciais para transformar a idéia-livro no livro-livro.

E ao mesmo tempo, ouvir essas pessoas — que aliás dizem coisas muito diferentes entre si e isso deu um pouco de curto circuito no começo — encarar aquelas histórias e entender que, no final, é o que eu sinto que é justo que eu tenho que colocar no mundo-livro.

E desse mundolivro, quero contar alguns momentos.

Teve o momento de me inscrever no concurso da editora Lamparina Luminosa para publicação de autores estreantes. E para isso, escolher e organizar o material. Qual conto será que entra e não entra no livro? E escrever o projeto do livro. Como achar um denominador comum entre todos aqueles contos que pareciam tão heterogêneos? Para fazer isso percebi que precisava olhar atentamente para os contos, e encontrar alguns sentidos. Que foram aparecendo: desencaixe, diálogo criativo com o universo científico, biológico, e seus vocabulários, listas, datas de validade, investigações das mais variadas. Tentativas de explicação, de catalogação. Esse livro pode ser lido como uma forma, que sempre fracassa, de tentarmos diminuir a distância entre as palavras e as coisas ou os acontecimentos. É uma tentativa de se deter diante de tudo o que escapa, não encaixa, transborda, não cabe, colapsa. E jeitos diferentes que surgem desse desencaixe.

Está tudo lá no projeto.

Depois, escolher a capa e parar de fazer ajustes nas histórias, algumas eu considero prontas outras ficam prontas quando você tem que entregar pro editor, respira fundo e vai, mas eu ainda mudaria uma coisa ou outra.

De tarde com a Michele e os gatos, espalhando todos os contos em cima da mesa da sala e imaginando uma ordem, um percurso, inventando uma dramaturgia que contivesse um naufrágio perfeito, uma festa de aniversário com poucas pessoas, a chegada de um animal estranho no laboratório de taxidermia, os gregos rindo em dodecassílabos. Achar um ritmo nessa composição.

No carro, indo para o lançamento, chuva fina, trânsito, será que as pessoas vêm?

No saguão, olhando o livro pela primeira vez um pouco antes do lançamento começar, ou será que já começou, como é diferente o papel a4 do papel do livro, as letras, as margens, como as histórias ficam protegidas. Já tinha visto o PDF, mas o PDF é ultrassom, ver o livro ali, e foi tão rápido porque tinha que pensar onde fica a mesa e a toalha onde está e a caixa de som, tudo ok?, e a playlist e a caneta a maquininha do cartão ainda não chegou e as pessoas começaram a chegar e foi.

E outras pessoas chegando, a amiga da sétima série entre o aluno e o pai, o vizinho ele veio!, e a fila, e será que eu apresso, mas eu não consigo apressar. E as dedicas, os mini-encontros com cada um, amor.

Estou acostumada com a performance, com o teatro, uma reação imediata, e depois e já passou, quem viu, viu. Cada um pode recriar a sua memória do acontecimento, inclusive eu. Cada um faz o seu teatro da memória.

O livro é diferente no tempo, você vai sabendo aos poucos. E esse foi outro aprendizado: as pessoas leem, comentam, os e-mails que chegam, os amigos próximos, os que eu nem imaginaria que de repente ligam pra falar sobre o livro, os que não me conheciam e comentam e isso é muito muito legal.

E é diferente no espaço, que o livro fica.

Agora já tem outras histórias chegando. Uma parte dos dias é para os cadernos, de novo as histórias curtas. Elas começam emaranhadas, com uns temas que se repetem, que se desdobram. Aqui onde eu posso fazer sentido. Uns movimentos em outras direções, curiosidade, como é o mundo mesmo, e as pessoas?, acumular tudo isso, essa coleção de outros jeitos que eu posso inventar, só que agora são diferentes dos primeiros. Quando eu souber como, eu conto.

Autor

  • elisaband

    Escritora, performer e encenadora, formada em artes cênicas pela Universidade de Campinas (Unicamp). É uma das fundadoras do grupo K, que era dirigido por Renato Cohen (1956–2003). Desde 1998 participou de vários grupos e espetáculos de teatro e performance. Foi codiretora e dramaturga da Cia Ueinzz, de 2007 a 2011. Seus últimos trabalhos são: "O Duplo de Rossman" (2012), "Perfect Shipwreck Tour" (2013), 7 Bilhões e Um (2014) e "Compêndio de Gavetas, Bactérias, Ursos e Corações" (2015). Atualmente é professora do curso de performance do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo e professora convidada da SP Escola de Teatro. Em 2005, foi selecionada pela editora Lamparina Luminosa e publicou "Perecíveis", seu primeiro livro.

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